Homilia do Padre Emmanuel Schwab

2nd Domingo Durante o Ano – Ano B

1a leitura: 1 Samuel 3, 3b-10.19

Salmo: 39 (40), 2abc.4ab, 7-8a, 8b-9, 10cd.11cd

2nd leitura: 1 Coríntios 6, 13c-15a. 17-20

Evangelho: João 1, 35-42

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“Fala, Senhor, teu servo, ouça.”.

Podemos ouvir esta instrução do sacerdote Eli para Samuel por nós mesmos. É ouvir a palavra de Deus. Mas onde essa palavra ressoa? Primeiro na criação. Se relermos o primeiro capítulo do Gênesis, aquele que ouvimos como primeira leitura da Vigília Pascal, ouviremos muitas vezes: “E Deus disse... e foi.”. É pela sua palavra que Deus cria todas as coisas. São João retomará esta visão no seu Evangelho, pois o Evangelho começa precisamente com estas palavras: "No começo era a palavra." (Jo 1,1), a palavra, em grego o Logos. E por esta palavra, por esta Logos, tudo foi criado (v.3). A primeira palavra visível é o mundo em que vivemos: todo o universo que nos diz algo sobre o seu Criador. E podemos levar este entendimento mais longe: cada um de nós é criado diretamente por Deus através do encontro dos nossos pais, e cada um de nós é uma palavra de Deus. Cada um de nós pode dizer: sou uma palavra de Deus, uma palavra que Deus dá ao mundo. E sou uma palavra na mesma condição em que vim ao mundo. Meu corpo, na sua realidade concreta masculina ou feminina, é uma palavra de Deus que fala da minha vocação.

Ao ter evacuado Deus do horizonte, a nossa sociedade evacuou ao mesmo tempo a possibilidade de decifrar o sentido das coisas, tanto que ser homem ou mulher já não tem sentido para muitos... Só o que faz sentido é o que eu decidir. E é uma loucura. Somos testemunhas de que este mundo tem um sentido que não se trata de dar, mas de decifrar, porque este mundo, a criação tal como é, é uma palavra de Deus e que a palavra de Deus é sã. . Paulo, neste final do capítulo 6 da primeira Carta aos Coríntios, recorda-nos o significado espiritual do nosso corpo, sobretudo porque, através da sua morte e ressurreição e do dom do Espírito Santo, o Senhor Jesus nos concedeu os redimidos; nós pertencemos a ele. E só pertencer a Deus através de Jesus pode tornar-nos verdadeiramente livres. Pertencer a nós mesmos nos torna escravos de nossas paixões. Adquirir o autocontrole a partir da nossa dependência de Deus é outra coisa: é o caminho para a liberdade. "Seus corpos são os membros do Cristo." Através do batismo nos tornamos membros do Corpo de Cristo até mesmo em nosso próprio corpo. Então Paulo pode nos lembrar : “O corpo não é para a devassidão, é para o Senhor, e o Senhor é para o corpo.” E o Senhor teve o cuidado de instituir, de diferentes maneiras, o que chamamos de sacramentos da Igreja, que são todas ações que tocam o nosso corpo. Porque a vida espiritual de um homem não é a mesma de um anjo: a vida espiritual de um homem se desenvolve em seu corpo. A oferta da nossa vida se desenrola em nosso corpo. A caridade vive-se no nosso corpo porque é colocando-nos ao serviço concreto do próximo com os nossos dois braços, as nossas duas pernas e as nossas mãos que vivemos a verdade da caridade. Não é por ter pensamentos ou sentimentos bonitos. Nosso corpo, todo o nosso ser é uma palavra de Deus.

Mas acabamos de celebrar o Natal e esta palavra de Deus que devemos ouvir, contemplamos o fato de que ela se fez carne : “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14:XNUMX). É Jesus quem é inteiramente a palavra de Deus. Portanto, não se trata apenas de ouvir Jesus como se escuta um mestre de sabedoria, mas de contemplar Jesus. E é por isso que os Evangelhos não nos dão apenas, e talvez não em primeiro lugar, os discursos de Jesus, mas mostram-nos Jesus indo e vindo, encontrando pessoas, tocando-as, sentando-se, comendo, dormindo, vivendo... vivendo nossas vidas como homens ! E é toda a vida do Senhor que nos ensina o mistério de Deus e o mistério do homem. Com efeito, se quisermos ver quem é um homem na sua perfeição, devemos olhar para Jesus, porque ele não tem pecado e, portanto, a sua humanidade é mais realizada que a nossa. O próprio Jesus é uma palavra de Deus.

E depois, se conformarmos a nossa vida ao Evangelho, se procurarmos pela graça do Espírito Santo “agradar a Jesus” – para usar uma expressão cara a Santa Teresinha –, “fazer a vontade de Deus” para assumir outra preocupação constante para Santa Teresinha, se assim, pouco a pouco, além da consciência que temos, a nossa vida se conforma cada vez mais com o Evangelho, então nós mesmos nos tornamos cada vez mais palavra iluminadora de Deus para os nossos irmãos.

O Evangelho não são apenas escritos em um livro. O Evangelho deve tornar-se também uma vida humana decifrável. Trata-se de nos tornarmos Evangelhos ambulantes para que aqueles que nos rodeiam, ao nos verem, descubram o que é a vida de Deus, a vida de Cristo, o que é o amor e o serviço. Não se trata de forma alguma de nos tornarmos exemplo ou espetáculo: trata-se de ser o que Deus nos faz, de ser realmente isso. E se realmente nos tornarmos aquilo que Deus nos dá a graça de ser através do dom do seu Espírito Santo e da capacidade que ele nos dá de nos convertermos ao Evangelho, então o Evangelho se tornará visível em nossas vidas.

Comecei dizendo que a própria criação é uma palavra de Deus e é a primeira palavra a ser ouvida. E podemos ter a ideia de que quem não conhece a Deus, que diz que Deus não existe, é porque não olhou atentamente para este mundo. Esta é a ideia em que Teresa viveu durante 22 anos da sua vida, até que lhe foi dada a dolorosa graça de descobrir outra coisa. Foi o que aconteceu com ela na Páscoa, no início do Tempo Pascal do ano de 1896, logo depois de começar a ver os primeiros sinais de tuberculose. Ela nos diz isso – está no manuscrito C:

Gozei então de uma fé tão viva, tão clara, que o pensamento do Céu era toda a minha felicidade, não podia [5v°] acreditar que houvesse pessoas ímpias que não tivessem fé. Eu acreditava que eles estavam falando contra o seu pensamento ao negar a existência do Céu, o lindo Céu onde o próprio Deus gostaria de ser sua recompensa eterna.

Nos dias alegres da Páscoa, Jesus fez-me sentir que existem verdadeiramente almas que não têm fé, que pelo abuso das graças perdem este tesouro precioso, fonte das únicas alegrias puras e verdadeiras. Ele permitiu que minha alma fosse invadida pelas trevas mais densas e que o pensamento do Céu, tão doce para mim, se tornasse nada mais do que objeto de combate e tormento...

E Teresa tenta explicar à Madre Marie de Gonzague, a quem escreve isto, o que se passa dentro de si. Não é que ela esteja perdendo a fé, mas o que obviamente alimentava sua inteligência é como se lhe fosse tirado.

Um pouco mais adiante, ela escreve o seguinte:

[…] o Rei da pátria com o sol brilhante veio viver trinta e três anos [6r°] na terra das trevas;

Esta é uma forma de repetir o que diz o evangelista no seu Prólogo: A luz entrou na escuridão e a escuridão não a impediu (Jo 1,5)

Infelizmente! as trevas não entenderam que este Rei Divino era a luz do mundo...

Mas Senhor, a tua filha compreendeu a tua luz divina, ela te pede perdão pelos seus irmãos, ela concorda em comer o pão da dor pelo tempo que você quiser e não quer se levantar desta mesa cheia de amargura onde come o pobres pecadores antes do dia que assinalastes... Mas também não pode ela dizer em seu nome, em nome dos seus irmãos: Tem piedade de nós, Senhor, porque somos pobres pecadores!... Oh! Senhor, manda-nos embora justificados... Que todos aqueles que não são iluminados pela tocha luminosa da Fé a vejam finalmente brilhar... Ó Jesus, se a mesa suja por eles deve ser purificada por uma alma que te ama, eu quero comer o pão da prova sozinho até que te agrade introduzir-me em teu reino luminoso. A única graça que lhes peço é que nunca se ofendam!… Pois bem, irmãos e irmãs, o mundo em que vivemos perdeu gravemente o sentido de Deus, a visão de Deus, a percepção de Deus. E acumulamos cada vez mais coisas sem sentido. O que o Senhor nos pede não é que nos refugiemos numa fortaleza: o que o Senhor nos pede é que partilhemos a vida dos nossos contemporâneos como eles são, que os amemos, que estejamos com eles, mas que estejamos entre eles na fé, continuar a amar Jesus, para que a nossa vida possa dar o gosto de descobrir este doce Salvador, para que através de nós o Evangelho continue a ser anunciado, mesmo nas trevas mais densas.

Um homem