Homilia do Padre Emmanuel Schwab, reitor do Santuário

1er Domingo da Quaresma – Ano B

1a leitura: Gênesis 9, 8-15

Salmo: 24 (25), 4-5ab, 6-7bc, 8-9

2nd leitura: 1 Pedro 3, 18-22

Evangelho: Marcos 1, 12-15

Clique aqui para baixar e imprimir o texto em pdf

Todos os anos, no primeiro domingo da Quaresma, o Evangelho faz-nos ouvir o episódio das tentações de Jesus. Como este ano estamos lendo o Evangelho segundo São Marcos, o episódio das tentações é muito breve em Marcos, ele não o detalha. Ele apenas nos diz que o Espírito empurra Jesus para o deserto – quase poderíamos traduzir “caçar” (ἐκβάλλει) Jesus no deserto – queele é tentado por Satanás, aqueleele vive entre feras selvagens, que os anjos o servem. Não nos é dito mais nada, mas é muito importante ouvir que Jesus passou pela prova das tentações.

Distinguimos entre estas duas palavras: “provação” e “tentação”. Mas na língua do Evangelho, no grego, ou nas Cartas dos Apóstolos, é a mesma palavra grega (πειρασμός) que é traduzida para o francês por “provação” ou por “tentação”. A tentação é sempre uma provação e na vida uma provação pode sempre ser um lugar de tentação.

Mas antes de desenvolver esta questão das tentações, entendamos primeiro o que nos foi ensinado pelo apóstolo e recordado na primeira leitura: que primeiro recebemos o batismo e no batismo fomos gratuitamente, por pura graça, colocados com os ressuscitados Jesus. Isto significa que, no batismo, já passamos pela morte e que a vida daquilo que Santa Teresinha chama de “belo Céu” ou “Pátria”, a vida do Reino, a vida da ressurreição, já nos habita. Precisaremos, no final da nossa jornada, passar deste mundo para o Pai com Jesus quando for o tempo de Deus. Mas a partir de agora podemos enfrentar as provações da nossa vida nesta certeza de que somos habitados pelo Cristo ressuscitado que é vitorioso tanto sobre o pecado como sobre a morte. Devemos, portanto, pela fé, abordar cada provação, cada tentação com a perspectiva da vitória. O baptismo mudou algo na nossa vida e este baptismo espera o que a completará... Da mesma forma que, quando o padeiro fez a massa do pão, esta massa espera ser cozinhada no fogo do forno para poder tornar-se comestível pão, da mesma forma, quem é batizado precisa do sacramento da Confirmação, que é como cozinhar no fogo do Espírito Santo, para poder ser verdadeiramente “comestível”, isto é, nutrir com a sua vida os irmãos, como Jesus nos nutre com sua vida.

É importante, neste tempo de Quaresma, que todos nós, já baptizados, mantenhamos na oração aqueles que se preparam para ser baptizados na noite de Páscoa - os chamados catecúmenos - e que, nesta última etapa do seu caminho, verdadeiramente procurem unir-se a Jesus com toda a alma, com todo o coração, com todas as forças, para receber plenamente, nos sacramentos da iniciação cristã, a graça da salvação.

Volto à questão das provações e das tentações. Jesus nos pede no Pai Nosso: “Não entremos em tentação” – quase poderíamos traduzir: “Não nos deixes cair em tentação”.

O que isso significa ? Na verdade, nos encontramos no meio de uma batalha, de uma briga. Deus é a fonte da vida. Deus é o criador de todas as coisas, e entre todas estas criaturas há uma que, desde o início, se revoltou, que se recusa a servir a Deus e que quer afastar de Deus tudo o que pode. Esta criatura é aquela que as Escrituras chamam de diable (o que significa o divisor) onde o satã (o que significa oadversário). Jesus dirá dele que ele é mentiroso e pai da mentira (Jo 8,44)… ele quer tirar tudo da mão de Deus.

E Deus nunca deixa de dar o seu Espírito Santo para que todos aqueles que querem servi-lo possam recusar a mentira e servir a Deus na verdade, possam recusar o mal e procurar fazer o bem com a ajuda de Deus. Isso é o que chamamos de combate espiritual, e essa luta acontece dentro de cada um de nós.

As tentações às vezes vêm de fora, mas às vezes vêm de dentro. A tradição espiritual nos ensina que existem três fontes, pode-se dizer, de nossos pensamentos:

Existem aqueles que vêm de nós mesmos, de dentro de nós.

Existem aqueles que vêm até nós diretamente de Deus, mas o que chamamos de inspiração do Espírito Santo.

E há alguns que chegam até nós diretamente do diabo, possivelmente através de outra pessoa.

Cabe-nos aprender a identificar, em todos estes pensamentos que nos agitam, os que são bons para os acolher e para que possam dar frutos, e os que são maus para os deixar de lado. Isto é o que chamamos de combate espiritual, começa no pensamento, não primeiro na ação.

E quando Jesus nos chama à conversão, “Arrependam-se e creiam no Evangelho”, a palavra grega que significa “converter” (μετανοεῖτε) significa mudar de ideia, ou seja, aprender a olhar as coisas como Deus as vê. É por isso que precisamos nos nutrir da palavra de Deus, porque precisamos saber como Deus vê as coisas, como Jesus vê as coisas.

E é por isso que o Evangelho nos mostra Jesus agindo, falando, encontrando as pessoas, para que entendamos como Jesus olha o mundo, os homens, como olha para o seu Pai, como vive para que possamos imitar Jesus.

Nesta batalha espiritual, então, encontramos provações? Mas como os soldados que vão para o combate encontram provas: é sempre uma prova, uma luta, e é uma questão de sair vitorioso.

São Paulo, São Pedro, São Tiago, todos os três nos dizem a mesma coisa.

São Paulo, na Carta aos Romanos: “Temos orgulho de a própria angústia ". Por que é que ? “Já que a angústia, sabemos, produz perseverança; a perseverança produz virtude comprovada; a virtude comprovada produz esperança; e a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações através do Espírito Santo que nos foi dado”.(Romanos 5,3:5-XNUMX)… Temos orgulho da própria angústia.

São Tiago, ele inicia sua Carta assim: “Meus irmãos, considerem uma grande alegria tropeçar em todos os tipos de provações.”. Por que é que ? “Vocês sabem que tal teste de sua fé produz perseverança, e a perseverança deve ser acompanhada por ações perfeitas, para que vocês sejam perfeitos e completos, sem faltar nada” (Tiago 1,2:4-XNUMX).

E um pouco mais adiante acrescenta – e esta é uma palavra que Santa Teresinha gosta de citar: “Bem-aventurado o homem que suporta as provações com perseverança, pois, verificado o seu valor, receberá a coroa da vida prometida aos que amam a Deus” (Tiago 1,12:XNUMX).

E finalmente São Pedro, na sua primeira Carta: “Exultem de alegria, mesmo que ainda por algum tempo vocês sejam afligidos por todos os tipos de provações; eles verificarão o valor da sua fé que tem muito mais valor que o ouro - este ouro condenado a desaparecer e ainda assim verificado pelo fogo - para que a sua fé receba louvor, glória e honra quando Jesus Cristo for revelado. (1 Pedro 1,6:7-XNUMX).

Os três são unânimes: é uma graça conhecer a prova porque é através da prova que a nossa fé pode crescer e que a nossa fé pode nutrir, e portanto fazer crescer, a nossa esperança e a nossa caridade.

O período da Quaresma é um tempo de treinamento para o combate espiritual. E para nos treinarmos procuramos treinar a nossa boa vontade para que ela saiba exercer a renúncia e também exercer a escolha positiva. As penitências quaresmais só fazem sentido para fortalecer a nossa vida interior para melhor servir Jesus. E todas as pequenas penitências que podemos fazer durante a Quaresma só têm sentido se forem feitas por amor a Jesus, explicitamente: Senhor Jesus, é por ti que renuncio a este pequeno prazer imediato. É por você que estou fazendo esse esforço de caridade. É para você, para te amar melhor, para te servir melhor, para te conhecer melhor. E o que é importante nas nossas penitências quaresmais não é que sejam grandes, mas que sejam perseverantes. Todos vocês já viram, quando visitaram cavernas, estalactites e estalagmites que se formaram ao longo de centenas e milhares de anos, a partir de gotas que caíram no mesmo lugar e que deixaram um pouco de calcário. Você também deve ter visto pedras que foram furadas porque caiu uma gota d'água, puf, puf, puf… sempre no mesmo lugar e a pedra acabou cedendo.

Que as nossas penitências quaresmais sejam como estas pequenas gotas de água que caem sempre no mesmo lugar. É assim que permitiremos que o Senhor obtenha a vitória e perfure a casca dos nossos corações, para que amemos a Deus e aos nossos irmãos como Jesus ama o seu Pai, e como Jesus nos amou.

Amen.